3 – Cidades Micadas

Cidades com aposta imobiliária não vingam e perdem todo o investimento.
Na terceira reportagem da série, veja cidades que eram apostas do mercado imobiliário e que, com o tempo, se tornaram uma decepção.

Promessas de grandes projetos que nunca foram realizados, como o Comperj, no Rio de Janeiro, tiveram enorme impacto também no mercado imobiliário que apostou no que acabou não acontecendo. Confira na terceira reportagem da série “Imóveis, Reflexos da Crise”.

“Eu lembro que eu fiz trabalhos na escola do Itaboraí do Futuro. A gente realmente sonhava em uma cidade rica. Eu lembro que tinha trabalhos que parecia uma Dubai. Mas era o sonho das crianças, que agora as crianças estão adultas, e estão enfrentando esse pesadelo. Completamente diferente do que foi sonhada por elas mesmas”, conta o ator Tiago Azevedo.

Itaboraí fica a 50 km do Rio de Janeiro. É a cidade do Tiago. Era dele aquele sonho de criança. “Itaboraí sempre foi uma cidade dormitório. As pessoas trabalhavam no Rio, trabalhavam em Niterói e isso começou a mudar, com a promessa do Comperj”, diz Tiago.

 

 

O Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) foi anunciado em 2006, geraria 200 mil empregos. Era um dos projetos mais ambiciosos da Petrobras, como mostrou o Globo Repórter em 2011.

Os trabalhadores chegaram, fizeram a população da cidade crescer 24% em 15 anos e procuraram lugares para morar. “A pousada estava aberta já há cinco anos. Sempre com ocupação máxima, ou acima de 95%”, lembra Marcos Paulo Pires Silva, dono da pousada.

Mas o Comperj, que deveria estar funcionando desde 2012, ainda está longe de ficar pronto e 30 mil funcionários foram mandados embora nos últimos dois anos.

O resultado de toda essa história é que o prédio da pousada que antes ficava lotada agora está completamente vazio. Não vai mais ninguém para lá. Eram 63 quartos com capacidade para duas a oito pessoas. Em um deles, por exemplo, cabiam duas camas, armário, ventilador de teto e, lá no fundo, o banheiro. Os sócios da pousada não tiveram outra opção: eles vão ter que devolver as chaves do imóvel para o proprietário do prédio.

Os móveis da pousada foram parar fora do prédio, com tudo à venda. “Infelizmente nós tomamos um prejuízo de mais de R$ 500 mil. Hoje fechamos, eu vou ter que descer toda a escadinha e reiniciar a minha vida profissional”, conta Marcos Paulo Pires Silva, dono da pousada.

Itaboraí toda está esvaziando: 4 mil lojas e escritórios fechados, 2 mil casas sem moradores e preços, lógico, despencando. Que o diga o secretário de desenvolvimento.

“Quando eu vim para cidade trabalhar, convocado pelo prefeito, eu pagava R$ 4 mil em uma casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Hoje eu pago R$ 1,5 mil em uma melhor. O empreendimento imobiliário micou completamente”, declara Luis Fernando Guimarães, secretário de Desenvolvimento Econômico de Itaboraí (RJ).

Micou mesmo, mas não foi só lá, não. São Gonçalo do Amarante, no Ceará, e Bacabeira, no Maranhão, iam receber duas refinarias da Petrobras, mas os projetos foram cancelados.

Quem investiu lá não tem nem para quem vender os terrenos. Em Itabira (MG), empresas como a Vale reduziram o número de trabalhadores. O resultado apareceu nas imobiliárias. Já Betim (MG) sofre com a crise na indústria de carros. Dos imóveis lançados neste ano, 70% encalharam.

Algumas das maiores decisões que a gente toma são no escuro porque dependem do futuro. Mas geralmente dá para ter uma pista do que vai acontecer. Um exemplo: até o ano passado, quem queria investir no Brasil, achava que o país ia crescer 2,5% em 2015.

Mas o tempo mostrou que a gente vai é encolher 3%. Por isso tantos projetos cancelados e esse impacto no mercado imobiliário por todo o país. Os investimentos caíram também no orçamento dos governos. E, nesse caso, a conta que a sociedade paga é direta, chega na porta da sua casa.

Setor Noroeste, Brasília. Um bairro acrescentado ao plano piloto nos anos 1980 que virou um projeto de condomínios inteligentes. O Neto se mudou pra cá em 2012 e foi o terceiro morador do bairro. “Dar uma qualidade de vida diferenciada para os meus filhos, esse foi o plano inicial, digamos assim”, ele conta.

Não foi isso o que aconteceu de lá pra cá. Os índios reivindicam uma área de 50 hectares do Noroeste. Não há poste de energia elétrica e iluminação mesmo só a que vem dos prédios. Os moradores enfrentam até falta de água.

O bairro ainda não tem sinalização nas ruas nem um parque que estava prometido. O transporte público é precário e quem depende dele precisa caminhar muito até um ponto com mais opção. Por tudo isso o metro quadrado chegou a cair de R$ 11,5 mil em 2012 para R$ 9,7 mil em 2014.

“Muitas vezes bate um cansaco de estar há tanto tempo já pedindo a mesma coisa e de saber que não está pedindo muito, que a gente não está pedindo nada demais, a gente está pedindo infraestrutura básica por enquanto”, diz Neto, que mora no bairro.

O governo do Distrito Federal diz que está resolvendo a situação do Setor Noroeste. “Na primeira metade do ano que vem já teremos outra aparência de infraestrutura no Noroeste”, garante Alexandre Navarro, presidente da Terracap.

O Ministério das Cidades também afirma que está atento aos problema dos municípios que a gente mostrou nessa reportagem.

“Itabira, assim como todas as outras cidades, passa por uma avaliação de parte do governo federal para que possamos encontrar justificativa de invesitmentos públicos em todos os campos, não apenas na infraestrutua, na saúde, na educação. Que possam gerar empregos na cidade e um mínimo de movimentação adicional na economia para que ela possa sobreviver a essa crise”, declara Gilberto Kassab, ministro das Cidades.